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 Vários tipos de livro e exemplos dos mesmos - notícia

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Isabel
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MensagemAssunto: Vários tipos de livro e exemplos dos mesmos - notícia   Vários tipos de livro e exemplos dos mesmos - notícia Icon_minitimeSáb Jan 09, 2010 12:20 pm

Citação :


RIO - “Uma vez professor, sempre professor”, admite David Lodge no prefácio do seu livro recém-lançado, A arte da ficção. A situação traduzida no adágio, da qual não se escapa, determina o que a obra apresenta de melhor e, eventualmente, de enfadonho, como os minutos finais da última aula antes do toque da sineta para o recreio e a merenda. Mas o resultado final é mais que satisfatório, nota A, e o aluno passa de ano aprendendo.

David Lodge nasceu na Inglaterra – o que, convenhamos, não deixa de ser um predicado para um professor. Por quase 30 anos, deu aulas de literatura inglesa na Universidade de Birmingham. Mas, sobretudo, é um escritor de talento – autor dos romances Invertendo os papéis, Fora do abrigo, Terapia, Pense... – o que lhe facilitou a vida na hora de escrever os 50 artigos da coletânea, os quais abordam diversos aspectos – começando pela maneira como se deve iniciar um romance e terminando com o modo de escrever o fim – da prática literária.

Dito assim, parece um desses livros que estão mais ou menos na moda, tipo oficina, manual ou guia para ensinar a escrever ficção profissionalmente, e que na verdade são arapucas. A origem da obra de Lodge é honesta e gutemberguiana: os textos, antes, foram publicados semanalmente nas páginas literárias do jornal britânico The Independent on Sunday (e republicadas no Washington Post).

A coluna entrou no lugar de outra, sobre poesia, escrita por James Fenton, que levava o nome de “Ars poética” (título roubado ao romano Horácio). Inevitavelmente, a de Lodge veio a se chamar “A arte da ficção” (o que, no início, deixou-o desconfortável, por ser o mesmo nome de um famoso ensaio de Henry James). Em relação à série original, o material editado no livro sofreu substanciais acréscimos.

Toda a semana o crítico escolhia uma ou duas passagens breves de romances ou contos, clássicos e modernos, para ilustrar o aspecto em questão. Ele delimitou sua “área” – como se diz na academia – usando só autores ingleses e americanos, por se sentir menos seguro se fugisse de sua especialidade. OK, mas o leitor perde com isso (como se verá adiante).

Nada, no entanto, que atrapalhe as análises de Lodge, a maioria delas indo direto na mosca, e lembrando, no estilo, os ensaios de outro acadêmico inglês, Anthony Burgess, especialmente os reunidos no livro de divulgação (em alto nível) A literatura inglesa. Aliás, o escritor de ficção Burgess, muito mais conhecido do grande público, também diz presente no livro de Lodge, que escolhe pedaços de Laranja mecânica para discorrer sobre o conceito abstrato das ideias.

O tradutor Guilherme da Silva Braga optou por versões inéditas para todas as citações, porque a maioria dos títulos ou não está disponível em português ou conta com traduções muito antigas, e também porque, nos comentários do autor, são feitas referências a palavras específicas e aspectos formais do original. O tradutor sai-se bem da dura empreitada. O volume ainda traz indicações bibliográficas, com as edições brasileiras das obras citadas.

No fim do prefácio, David Lodge vende seu fish and chips admiravelmente: “Este é um livro para as pessoas que preferem ter contato com a crítica literária em doses homeopáticas, um livro para folhear e degustar, um livro que não tem a pretensão de ter a última palavra em nenhum dos tópicos, mas que vai, espero, aguçar o entendimento e o proveito que os leitores tiram da prosa de ficção e sugerir novas possibilidades de leitura – quem sabe até de escrita – dessa que é a mais variada e a mais proveitosa de todas as formas literárias”.

Pois, homeopaticamente, vamos a alguns dos tópicos escolhidos:

O COMEÇO

Depois de admitir que é muito difícil definir quando um romance começa, e mesmo quando termina o começo, o professor cita duas aberturas, o parágrafo inicial de Emma, de Jane Austen, e o de O bom soldado, de Ford Madox Ford, ressaltando que a primeira frase do segundo é um estratagema para prender a atenção do leitor e arrastá-lo à força para dentro do livro: “Esta é a história mais triste que já ouvi”. Lodge lista e classifica diversos tipos de abertura – descrição de cenário ou cidade, história dentro da história (O coração das trevas, de Joseph Conrad, e A volta do parafuso, de Henry James), no meio de uma conversa (Um punhado de pó, de Evelyn Waugh) ou até no meio de uma frase (Finnegans Wake, de James Joyce) – sem esquecer a inevitável de Herman Melville no Moby Dick: “Me chame de Ishmael”, que, de tão conhecida, serviu para inúmeras paródias.

SUSPENSE

É um dos mais curiosos ensaios do livro pelo ineditismo da abordagem. O autor escolhido é Thomas Hardy, por si só uma surpresa. Pois geralmente não se pensa em Hardy quando se comenta livros de detetive ou aventura, gêneros em que o suspense do tipo “quem foi?” ou “o que vai acontecer agora?” é indispensável. David Lodge opta pelo romance Um par de olhos azuis – salvo erro, não traduzido no Brasil; em Portugal, sim – o qual aponta como um dos favoritos de Marcel Proust. Numa cena do livro, a jovem e volúvel Elfriede e o intelectual de mais idade interessado nela, Henry, estão no alto de um penhasco. O chapéu dela voa para a beirada; ele tenta recuperá-lo, escorrega e fica dependurado pelos braços à beira da rocha íngreme e escorregadia que termina em queda livre de centenas de metros. “O que acontece a seguir? Será que Henry sobrevive? Como? O suspense só é mantido se a resposta a essas perguntas demorar a vir”, explica Lodge. Ao contrário do cinema, que em casos assim costuma alternar closes da angústia do homem com takes da mulher tentando salvá-lo, Thomas Hardy deseja surpreender Henry (e também o leitor) com a reação de Elfriede, restringindo toda a ação ao ponto de vista dela. No fim, ela, é claro, consegue tirá-lo do abismo. Mas como? Tirando toda a roupa. E mais não conta Lodge, para aumentar o suspense de quem ainda não leu o romance.

SKAZ

Você sabe o que é skaz? Este departamento tampouco sabia, até ser informado pelo tio Lodge que é uma palavrinha russa que designa uma narrativa em primeira pessoa escrita numa linguagem que mais lembra a fala do que o texto escrito. E, embora seja uma expressão russa, o crítico a utiliza para falar de um dos romances mais americanos jamais escritos, O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger. “Nesse tipo de história” – explica ele – “o narrador é um personagem que se refere a si mesmo como eu e trata o leitor por você. Usa o vocabulário e a sintaxe típicos da linguagem falada e dá a impressão de estar fazendo um relato espontâneo (...) Desnecessário dizer, isso é apenas ilusão, o resultado de um esforço calculado e de reescrita minuciosa por parte do autor real”. Filiando o livro de Salinger à tradição do Huckleberry Fiin de Mark Twain, Lodge enquadra as características da narrativa que a fazem soar mais como fala do que como texto escrito com inúmeros exemplos mesmo que retirados de um pequeno trecho: as gírias, os exageros, os períodos curtos e descomplicados. Se é fácil descrever o estilo do personagem Holden Caulfield, não o é explicar como ele consegue prender nossa atenção e nos manter entretidos da primeira à última página. O professor então joga pra galera: “Em última análise, no entanto, essa prosa surpreende-nos com uma poesia inesperada, uma sutil manipulação dos ritmos da fala convencional que a torna um prazer de ler e de reler. Como dizem os jazzistas, ela tem suingue”.

ROMANCE EPISTOLAR

A sacada é a seguinte: é uma narrativa em primeira pessoa, mas que tem características próprias que não se encontram na autobiografia tradicional. As cartas são um processo em andamento, não se sabe o que vai acontecer, e mantém sempre o interesse. O mesmo efeito obtém-se com o diário, mas o romance epistolar tem duas grandes vantagens: 1. Você pode ter mais de um correspondente e apresentar o mesmo acontecimento sob pontos de vista diferentes; 2. Uma carta é sempre escrita para um leitor específico, e a espera por uma resposta faz aumentar a expectativa. O autor, que publicou A arte da ficção em 1992, lembra o fax como alternativa ao papel e à tinta das penas. Se o livro fosse reescrito hoje, o e-mail certamente seria a melhor opção para modernizar o gênero. Apesar desses toques, Lodge pisa na bola ao puxar a brasa demasiadamente para sua sardinha: cita as obras Pamela e Clarissa, de Samuel Richarson, como marcos da crônica epistolar, que teriam inspirado “imitadores” como o francês Choderlos de Laclos com suas Ligações perigosas. Só que estas continuam atualíssimas, servindo para seguidas adaptações cinematográficas, e quem se lembra daquelas?

MISTÉRIO

Depois de mencionar os vitorianos Charles Dickens e Wilkie Collins e o inevitável Conan Doyle – nem uma linha para Edgar Poe, que mais detalhadamente é analisado no ensaio “O estranho”, sobre o conto “William Wilsom” – escreve David Lodge: “Um mistério que se resolve é, em última análise, um acontecimento que conforta o leitor, que assegura o triunfo da razão sobre o instinto, da ordem sobre o caos – seja nos contos de Sherlock Holmes ou nos casos relatados por Sigmund Freud, que aliás têm uma semelhança notável e um tanto suspeita com os contos”. Nessa hora, aquele aluno lá do fundo levanta o dedo e pergunta: “Quer dizer que, além da cocaína, Sherlock Holmes e Freud têm muito mais em comum do que a gente imagina?”.

FLUXO DE CONSCIÊNCIA

O ensaísta explica que este era um termo usado por William James, o psicólogo irmão de Henry James, para definir o fluxo contínuo de pensamentos e sensações da mente, e mais tarde foi emprestado para descrever um tipo específico de ficção moderna que tentava reproduzir esse processo, representado por, entre outros, James Joyce e Virginia Woolf. Segue uma dissecação do recurso, tendo por base o Mrs. Dalloway. E, só para continuar no campo das curiosidades eruditas, você sabe quem cunhou a expressão “romance experimental”? Émile Zola, “para frisar a relação entre seus romances de temática sociológica e a investigação científica do mundo natural”. Como se sabe, deu em coisa muito diferente. No artigo que dedica ao tema, Lodge fixa-se no romance Living, do britânico Henry Green (não traduzido entre nós), que, no livro em questão, resolveu omitir sistematicamente os artigos definidos e indefinidos.

LISTAS

A utilização delas tem como exemplo um trecho de Suave é a noite, de Scott Fitzgerald, no qual Nicole Diver vai às compras em Paris. “Ao dar provas de seu gosto e fazer suas próprias vontades sem a menor preocupação com a economia ou com o bom senso, a heroína deixa transparecer uma personalidade e um temperamento generoso, impulsivo, divertido e sensível à estética, ainda que perca contato com a realidade (...). É impossível ficar indiferente à alegria e ao prazer sensual desse consumismo exagerado”, elogia Lodge.

LEITOR NO TEXTO

Machado não é lembrado.

TELEFONE

Não é o celular, ainda bem. Esse aparelho insuportável ainda não havia tomado conta da sociedade quando David Lodge escrevia as colunas no The Independent on Sunday. Trata-se do antigo, lembra?, doméstico, fixo, preto, com disco, e para que se andasse com ele em casa era preciso um fio longo e cuidado para não se enrolar nele e cair de cara no sinteco. Lodge acredita que a “cegueira” da comunicação telefônica favorece enganos e gera confusão. O que pode ser melhor para o desenvolvimento de uma história? Ainda por cima abre a possibilidade de aqueles escritores que dominam o diálogo deitar e rolar (vide Vox, de Nicholson Baker). O crítico aponta Evelyn Waugh como um dos primeiros romancistas ingleses a reconhecer a importância do telefone na vida moderna e seu potencial para efeitos dramáticos e cômicos em obras como Vile Bodies e sobretudo Um punhado de pó. Pensando bem, é uma pena que Waugh não tenha pegado o celular. Ele ia fazer picadinho dos – como é mesmo que se diz? – usuários. Com ou sem portabilidade.

IRONIA

A leitura do ensaio é aconselhável a certos leitores de Luis Fernando Verissimo e Millôr Fernandes. Os dois volta e meia pregam a criação de um ponto de ironia, que, aliás, já foi inventado por um sujeito chamado Alcanter de Brahm, em meados do século 19. Mas que -- desgraçadamente para Verissimo e Millôr, e mais desgraçadamente ainda para quem não consegue entender a ironia – não pegou.

É claro que as divisões da arte da ficção em diversos aspectos são um tanto artificiais. David Lodge é o primeiro a reconhecer isso: “Os efeitos ficcionais são múltiplos e interligados: todos eles dependem uns dos outros, mas ao mesmo tempo se completam”. Por isso, ao acabar a leitura do artigo sobre monólogo interior, você pode pular para clima ou ambientação, ou para questões mais cabeçudas como intertextualidade e metaficção, ou mais práticas como capítulos e título.

Alvaro Costa e Silva, Jornal do Brasil
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